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Releituras Pop #03

“Deixando a profundidade de lado, eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia! Fazendo tudo e de novo dizendo sim à paixão, morando na filosofia.”

Começo o mês de maio com mais um post da série Releituras Pop.

A ideia de hoje é homenagear e ao mesmo tempo dar algumas risadas, relendo e dialogando com a obra de um cara que tem seu nome marcado na história da música brasileira. Mostrar que mesmo os monstros sagrados da música pop também tem seus momentos ambíguos, não grandiosos, etc.

Não foi sem propósito que comecei o post de hoje com um dos versos mais bonitos e tocantes da música brasileira. No entanto, na mesma canção que contém este verso (Divina Comédia Humana) também temos outros versos bem engraçados, vamos começar então com ela:

Divina Comédia Humana

Esta canção, linda e melódica, já de cara (em seu título) faz alusão a duas grandes obras da literatura mundial, a saber: A Divina Comédia, de Dante Alighieri e uma obra homônima de Honoré de Balzac.

Deixando de lado as possíveis influências que estes dois livros podem exercer na canção, vamos direto a letra dela e aqui, lógico, pegaremos carona nas interpretações feitas por Zeca Baleiro e sua plateia no Festival de Músicas Infames (se quiser relembrar isso tá lá no primeiro post dessa série):

Em meio a tanta beleza e delicadeza nos versos dessa canção, Belchior depois de dizer que estava mais angustiado que o goleiro na hora do gol (bota angústia nisso!) e sentir alguém entrando nele como o sol no quintal nos brinda com uma “cacofonia sexual” (pode ir se acostumando, praticamente tudo nesse post será levado para esse lado da cacofonia e do duplo sentido, quase sempre remetendo ao lado sexual da coisa. Falsos moralismos e mimimis não vão gostar nada disso, então, se você, caro leitor, estiver nessa onda pode até parar de ler por aqui). Aí o analista amigo meu (aí o analista me comeu).

Depois desse fato ambíguo, Belchior diz que o amor é uma coisa mais profunda que uma transa sensual, mas, logo em seguida, contrariando seu analista, deixa a profundidade de lado e nos fala o verso que abre esse post.

Logo em seguida vem a outra possível interpretação ambígua-sexual da canção: “Quero gozar no seu céu, pode ser no seu inferno”. O que poderiam ser céu e inferno aqui? Tá fácil, não? Essa eu vou deixar pros leitores me dizerem nos comentários.

Pra fechar a letra, Belchior cita Olavo Bilac: “Ora direis, ouvir estrelas, certo perdeste o senso, e eu vos direi no entanto: enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não, eu canto!”

Independente de qualquer releitura pop bizarra, levando pro lado mais banal da coisa, essa canção é uma das obras-primas de Belchior.

Fotografia 3×4

Assim como peguei carona nas interpretações de Zeca Baleiro e sua plateia na releitura anterior, pego carona agora na dica do amigo e leitor Ivan Bilheiro, que no último encontro do Sempre um livro (nosso grupo de leituras), me lembrou de uma outra “cacofonia sexual” de Belchior, dessa vez na Fotografia 3×4.

Mais uma vez, antes de qualquer releitura pop, tenho que dizer que essa é outra daquelas canções de Belchior que dizem muito pro blogueiro aqui. Quantas e quantas vezes já não ouvi a Fotografia 3×4 e pensei em tanta coisa, inclusive na tamanha sensibilidade que teve Belchior ao escrever essa música. Cito um verso em especial, pra começar:

“A noite fria me ensinou a amar mais o meu dia, e pela dor eu descobri o poder da alegria e a certeza de que tenho coisas novas, coisas novas pra dizer!”

O Ivan tinha me dado a ideia da cacofonia de uma frase muito repetida na música, em especial no final: Eu sou como você, eu sou como você, eu sou como você, que me ouve agora! (Eu só como você, eu só como você, eu só como você que me ouve agora!).

Fotografia 3×4 é um verdadeiro retrato de alguém que vem do Nordeste para o Sudeste e vive aqui todas as angústias que alguém nessa situação vive: a saudade de casa, as dificuldades de aceitação na nova terra, os amores, alegrias e frustrações, enfim, o aprendizado e crescimento de um homem em um lugar novo e desconhecido pra ele.

Fazendo a releitura a partir dessa ideia dada pelo Ivan e englobando a música como um todo, podemos pensar a canção como a desilusão amorosa de um nordestino que vai cantar suas mágoas para um ouvinte qualquer e aí então, talvez pra afogar essas mágoas, passa a só comer aquele que ouve o lamento.

É que durante a canção Belchior vai falando de frustrações e enfatiza que esses casos de família e de dinheiro ele nunca entendeu bem. Comer o seu ouvinte seria uma espécia de catarse, de redenção de alguém que, mesmo sem se ver na hora do gol, continuava mais angustiado que o goleiro nessa hora.

Bem, vou terminar as releituras com essa de Fotografia 3×4, mas desde já deixo a dica e a sugestão para os leitores, para que busquem mais possibilidades de releitura nas canções do velho Belch, com certeza dá pra achar mais coisa e, além de tudo, nessa busca você também com certeza irá se deparar com coisas muito válidas e interessantes para qualquer ouvido humano.

Antes de fechar o post queria pontuar mais duas coisas: a primeira é que, como disse no primeiro post dessa série, a intenção do Releituras Pop é ser um espaço de dar risada mesmo, buscando na cultura pop possíveis motivos de risadas, se, no meio desse exercício encontrarmos alguma discussão ou algum substrato filosófico tanto melhor, em caso contrário, não vejo problema algum também.

O segundo ponto é que, talvez a intenção maior desse post (e bem utópica também) é tentar “reviver” os versos, as canções e o próprio Belchior nos dias de hoje. Conheço muita gente que vê Belchior apenas como uma figura engraçada e estranha, que está desaparecido há muito tempo e faz piadas dele como um possível participante do seriado “Lost” ou coisa do tipo. Isso aconteceu por causa de uma aparição dele no Fantástico, onde muito se falou desse sumiço de Belchior. Na entrevista, ele estava no Uruguai e parecia bem a vontade por lá. Sem querer bancar o chato, o que eu queria mesmo era uma volta desse rapaz latino-americano para o seu país de origem e aí, quem sabe, junto com ele sua música também voltava e aí muitas outras pessoas pudessem entrar em contato com ela.

Como abri o post com uma citação do protagonista desse post, resolvi também fechá-lo com outra, agora da canção Arte Final, um apelo e uma provocação bem ao estilo irônico de Belchior. Apesar de sua extensão vale a pena ser citada:

“E então, my friends?
Bastou vender a minha alma ao diabo
E lá vem vocês seguindo o mau exemplo
Entrando numas de vender a própria mãe
Alguém se atreve a ir comigo além do shopping center? hein? hein?
Ah! Donde eston los estudiantes?
Os rapazes latinos -americanos?
Os aventureiros? os anarquistas? os artistas?
Os sem destino? os rebeldes experimentadores?
Os benditos? malditos? os renegados? os sonhadores?
Esperávamos os alquimistas, e lá vem os arrivistas
Os consumistas, os mercadores
Minas, homens não há mais?
Entre o céu e a terra não ha mais nada que sex, drugs and
rock ‘n’ roll?
Por que o adeus as armas
Ahhh! Não perguntes por quem os sinos dobram
eles dobram por ti.
Ora, senhoras, ora senhores
uma boa noite lustrada de néon pra vocês
o último a sair apague a luz do aeroporto
e, ainda que mal me pergunte
-a saída, será mesmo o aeroporto?”

QuimeraShare #06


Hoje é dia do segundo jogo da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, muita expectativa pra um jogo que pode decidir muita coisa, o adversário dessa vez é a Costa do marfim, de Didier Drogba, considerada por muitos a melhor seleção africana da atualidade, promessa de jogo bom que eu vou acompanhar e comentarei aqui amanhã.

Mas hoje, aproveitando o embalo do QuimeraTube vou mandar mais um QuimeraShare.

Continuando o tour pelo brasil, desembarco agora no Ceará, e assim como no caso de Tom Zé, acaba sendo uma ponte Ceará/São Paulo.

Falo de Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, o velho Belch.

Cantor pelo qual tenho profundo respeito e admiração, além de compor canções singularíssimas e interpretá-las muito bem também, outro feito de Belchior é ter conhecido meu pai.

Sim, é só uma brincadeira, mas Belchior já esteve duas vezes em São Gonçalo do Sapucaí, e conversou e tirou fotos com meu pai.

Como nossos pais , eu e alguns amigos gostamos muito do som de Belchior.

Recentemente esteve na mídia por causa de seu “sumiço”, mas acredito que na verdade a mídia pintou algo que não existiu, assim como aconteceu com Oswaldo Montenegro no começo do ano.

Belchior não tinha sumido, estava apenas procurando curtir e conhecer ainda mais uma de suas paixões, que de tanto ouvir suas músicas também se tornou uma das minhas paixões: a América Latina.

Isso cabe em todos os contextos, na Copa do Mundo mesmo, estou torcendo pelas seleções latinas, feliz com a vitória paraguaia de agora pouco sobre a Eslováquia e na espera do jogo do Brasil.

Mas enfim, voltando a parte musical, Belchior compôs canções que ficaram marcadas na história da MPB, como Velha Roupa Colorida, Como Nossos Pais, Apenas um Rapaz Latino Americano, entre outras…

O QuimeraShare de hoje vem com o álbum Coração Selvagem.

Talvez não seja o melhor álbum do cearense, mas com certeza é um dos melhores que a música brasileira já viu.

Apenas 9 músicas, mas tods muito boa, não dá nem pra destacar as melhores, esse é daqueles álbuns de se escutar do começo ao fim.

Meu gosto musical sempre muda muito, se fosse pra escolher a melhor hoje seria Todo Sujo de Batom, das várias versões dessa canção, essa do Coração Selvagem pra mim é a melhor.

Fiquem com o link e escutem Belchior, porque é bom demais!

Meu bem, talvez você possa compreender a minha solidão
O meu som, a minha fúria e essa pressa de viver
E esse jeito de deixar sempre de lado a certeza
E arriscar tudo de novo com paixão
Andar caminho errado pela simples alegria de ser

QuimeraShare #06 – Coração Selvagem – Belchior.rar Tamanho: 29.06 MB

Happiness Is A Warm Gun

No mês passado falei sobre Tim Maia aqui no Un Quimera, pretendo pelo menos uma vez por mês colocar um post falando sobre música, algo que como já disse gosto muito, mas vale a pena repetir.
Hoje não vou falar de um cantor ou de uma banda em especial, mas sim de uma música.
Até porque, a banda que tocava essa música tem inúmeras músicas, melodias e histórias, não seria capaz de falar tudo sobre ela, me perderia logo, acho que isso seria trabalho para o “Grande Guila”.
Então falo especificamente de Happiness Is A Warm Gun, pra quem ainda não sabe a músicas é dos Beatles e está presente no “White Album” de 1968.
Essa música tem muita história, de verdade, não é clichê nem nada, a primeira vez que eu a escutei já senti algo diferente, falei: isso aqui sim é música!
Lendo a respeito descobri que a origem da música vem de uma revista que John Lennon folheava e que tinha uma propaganda de armas, Lennon acho interessante e resolveu fazer uma canção.
A princípio, o nome da música seria Happiness Is A Warm Gun In Your Hand, mas acabou sendo lançada sem o In Your Hand.
As nuances rítmicas da música são várias e muito interessantes, o começo é suave, o She’s not a girl who missses much é muito bom, depois de alguns versos, um solo curto e chegamos em I Need a Fix…, uma outra parte da música que já se diferencia do começo suave. Depois disso: Mother Superior Jump the Gun. Até chegar ao refrão, com outra variação rítmica e a inserção posterior de um trecho falado e do bang, bang, shoot, shoot.
As interpretações para a música também são diversas, acho interessante mesmo a corrente que acredita que a música foi composta por John fazendo alusão ao seu desejo sexual por Yoko Ono, o trecho When I hold you in my arms And I feel my finger on your trigger I know nobody can do me no harm Because Happiness Is A Warm Gun… compara Yoko ao revólver, acredito que seja por isso que o Warm apareça no título da canção e tenha o sentido de quente.
Também existe a galera que entende a música como alusão a heroína, sendo a Warm Gun uma seringa carregada.
Interpretações a parte um outro compositor muito bom se inspirou nessa canção para fazer outra canção. O compositor é Belchior (de quem falarei em breve também) e a música é Comentário a Respeito de John, onde Belchior concorda com John e em bom português dispara: A Felicidade É Uma Arma Quente sim!
Depois de falar tanto sobre a música é melhor ouvi-la: pra quem já conhece, relembra-la e ver se o entendimento sobre a música bate com o meu e pra quem ainda não conhece, escute! Você não vai se arrepender.
Dica também de ver esse vídeo:
Faz parte do longa “Across The Universe”, uma verdadeira homenagem aos Beatles, recomendo na verdade que assistam inteiro, mas essa parte do Happiness Is A Warm Gun é especial.
Só pra fechar o post, eis a letra completa:
She’s not a girl who misses much
Do do do do do do, oh yeah
She’s well acquainted with the touch of the velvet hand
Like a lizard on a window pane.
The man in the crowd with the multicoloured mirrors
On his hobnail boots
Lying with his eyes while his hands are busy
Working overtime
A soap impression of his wife which he ate
And donated to the Nation Trust.
I need a fix ‘cause I’m going down
Down to the bits that I left uptown
I need a fix cause I’m going down
Mother Superior jump the gun
Mother Superior jump the gun
Mother Superior jump the gun
Mother Superior jump the gun
Mother Superior jump the gun
Mother Superior jump the gun
Happiness Is A Warm Gun
Happiness Is A Warm Gun mama
When I hold you in my arms
And I feel my finger on your trigger
I know nobody can do me no harm
Because Happiness Is A Warm Gun mama
Happiness Is A Warm Gun
-Yes it is
Happiness Is A Warm
-Yes it is
Gun
Don’t you know that Happiness
Is A Warm Gun mama